top of page
< Back

Podíamos ser mais… humanos.

21 de nov. de 2018

Um senhor de rua, um trabalho Etnográfico e um evento de Design.

Ontem (17/10/18) saí do #ILARio18, maior evento de UX da América Latina, às 18h, para voltar a São Paulo, porque hoje, domingo, tinha que fazer o trabalho de etnografia da pós, da professora Carol Zatorre, com o contexto Paulista e como tema Artistas/Músicos que o grupo escolheu.


Ok, tudo combinado com o grupo, iríamos nos encontrar no vão do MASP às 10h. Cheguei antes, um pouco cansado dos 4 dias no Rio de Janeiro, e com uma leve preguiça de entrevistar e conversar com as pessoas. Mas, quando cheguei no lugar combinado, deparei-me com este senhor: seu Francisco!


Seus olhos retratavam uma tristeza, uma desolação, parecia ser invisível. Pessoas iam e vinham, mas ninguém o dava atenção ou sequer olhava para ele nos 5 minutos em que fiquei ali observando. Tanta gente passeando — casais, crianças, famílias com seus cachorros –, que certamente tem mais conforto do que ele. Mais uma vez, isso perturbou-me, incomodou-me muito. Ocorreu-me um flashback sobre o que eu acabara de ver no ILA, sobre o que estudei em UX e Design e sobre o que me fez trocar de área. Mudei porque cansei de trabalhar só com suposições, de criar coisas superficiais na publicidade e depois fazer com que as pessoas gostassem daquilo. Estava incomodado, pois não ouvíamos, ou porque não queríamos, ou porque o cliente não queria gastar com isso.


Eu precisava conversar com o seu Francisco. Ele ali quietinho só observando todo o movimento de um domingo agitado na Paulista. Coloquei-me no lugar dele, como se estivesse naqueles filmes em que você é projetado rapidamente para outro lugar, e lá via pessoas passeando, divertindo-se, todas alegres e felizes, porém, muito distantes e focadas apenas em seus mundinhos, impedidas de olhar para o lado e, talvez, ajudar aquele humilde senhor.


Então, quando voltei daquele flash, já estava pedindo permissão para me sentar ao seu lado e dando um aperto de mão acompanhado de um bom dia. Com esse inesperado gesto, seu Francisco abriu um sorriso tímido e curioso do porquê de eu estar ali. Assim, toda aquela preguiça de entrevistar e o cansaço da viagem de repente sumiram.


O seu Francisco atuava na construção civil, construía edifícios, levantava paredes, pintava, trabalhava com hidráulica e elétrica. Ele é de uma família pequena do Rio Grande do Norte (RN) e quando veio para São Paulo trouxe sua mãe e sua irmã. Porém, com o dia a dia corrido da Capital, acabou perdendo contato com sua família no RN. Comentou que já fora casado, não falou em filhos ou como perdera sua mãe e o contato com a sua irmã.


Contou-me que, com a crise e a falta de emprego, voltou para sua terra natal para tentar encontrar a família e arrumar um trabalho, todavia, voltou de lá sem nada. Desde então, há 4 meses, está morando na rua, no Brás, próximo a um posto, onde os funcionários gentilmente guardam sua roupa para que ele não precise ficar caminhando com ela para cima e para baixo.


Quando ainda estava no Nordeste, ele tinha direito a um benefício, não me disse qual era, e que iria receber do governo uma indenização ou algo parecido em torno de R$ 18 mil, mas não conseguiu, pois havia perdido os seus documentos, e parece que não estava mais disponível.


Sem documentos, voltou a SP (creio que veio de carona) para regularizar sua situação e dar entrada em outro benefício do INSS ao qual tinha direito, que o auxiliaria com algo em torno de mil reais por mês. Mas Francisco não tem telefone ou qualquer outra forma de contato, por isso, sempre precisa caminhar até o posto do INSS para saber o status do benefício. Deve ser a aposentadoria que, por sinal, ele acredita estar prestes a sair.


Seu Francisco diz que usar o banheiro é a maior dificuldade que tem morando na rua, pois quase não existem banheiros públicos naquela região. De vez em quando, tenta dormir em albergues para tomar banho e se alimentar. Disse que alguns desses albergues têm muito malandro, gente querendo arrumar confusão, por isso, algumas vezes, evita frequentar e sempre corre dessas bagunças, pois nunca foi de se envolver em confusão.


Ele gostaria de voltar a trabalhar, mas disse que recebe muitos nãos por estar velho, por não conseguir carregar um saco de cimento ou outras coisas pesadas, por não conseguir trabalhar, por exemplo, pintando um teto, já que teria que ficar muito tempo com o braço para cima. Hoje seu Francisco só carrega um carrinho com uma sacola para pegar coisas que encontra na rua para tentar vender e ganhar algum dinheiro. Ele me mostrou um pisca-pisca que havia encontrado e que tentaria vender em uma feirinha de rua no Brás, caso estivesse funcionando.


 

Nesse momento lembrei-me de um episódio no ILARio2018 quando Samille Sousa, que faz um trabalho como freelancer para ONU aqui no Brasil, fez uma pergunta no mínimo perturbadora para Tom Kelley. Era algo sobre o que fazer para as empresas expandirem sua visão e terem um propósito que vá além dos lucros e retornos financeiros, que fosse mais humano e ajudasse a sociedade. E olha… o cara respondeu a uma meia dúzia de coisas e saiu pela tangente. 😒 Mas e aí? Como fazemos para nós e as empresas irmos além do nosso umbiguinho e dos nossos privilégios?


Não importa se você trabalha com Design gráfico, industrial, UX, digital, pesquisa, serviços, estratégia ou qualquer outra categoria recentemente inventada, nós todos aprendemos os fundamentos do Design, nós todos, na teoria, criamos e projetamos para as pessoas. E essas são mais do que usuários ou consumidores, são pessoas. Deixe eu repetir: são Pessoas.


Não me parece razoável dizer que vamos resolver tudo com o Design, mas podemos utilizar muito do que sabemos para melhorar muitas coisas e de forma simples, pelos menos para aqueles que não têm nada ou quase nada. Podemos ser empáticos e compartilhar um pouco do nosso tempo ouvindo e conversando.


E é com essas pequenas mudanças que criamos pequenas experiências positivas e, quem sabe, com o tempo, faremos grandes transformações.



 



Voltando para minha conversa com o seu Francisco, ele disse que tem duas coisas que são as piores de todas de viver na rua: o Egoísmo e a Individualidade das pessoas que não as deixam enxergar e muito menos conversar com um morador de rua. Mas isso mudou por 5 minutos, trazendo um pouco de felicidade para ele, pois uma pessoa resolveu sentar ao seu lado, ouvi-lo e trocar algumas palavras, disse. 😢


Conversamos mais um pouco e, então, eu me levantei, agradeci gentilmente pela história e pelo tempo, dei a ele dez reais. Meu amigo, Renato, deu mais dez e fomos embora.


Vou embora e fico pensando qual o nosso papel no Design? Como poderíamos ser inclusivos?


Será que em nossas criações estamos realmente sendo empáticos, levando em consideração as necessidades e o contexto dessas pessoas, ou apenas criando soluções para atender as necessidades, mas considerando o nosso contexto de uso e vida?


Ir a campo é muito rico e prazeroso, pois nos aproxima da realidade das pessoas para quem estamos criando, mas exige que abdiquemos dos nossos parâmetros e julgamentos e observemos o outro sob a ótica dele. Para isso, é necessário entender o contexto.


#DesignProcess #Research #UrbanProblems #UX #Ethnography


😉

bottom of page